Publicada por: Liliane Alves
Fonte: Folhapress
Saiba quais as vacinas contra a Covid-19 que já são testadas; velocidade do processo é recorde
Mais de cem estudos já foram anunciados, mas cinco estão mais avançados; velocidade do processo é recorde
Foto: Reprodução
Desde
o início da pandemia de Covid-19, mais de cem testes diferentes de
vacinas contra o vírus causador da doença foram anunciados mundo afora, e
pelo menos cinco dessas possíveis imunizações já estão sendo avaliadas
em pacientes humanos.
A velocidade do processo em diferentes países
supera tudo o que já foi visto até hoje na área de desenvolvimento de
vacinas, normalmente um processo demorado e trabalhoso que envolve
várias rodadas de testes em animais e avaliações de toxicidade antes das
três fases obrigatórias de testes clínicos com pessoas.
Diante
da emergência mundial representada pelo vírus Sars-CoV-2, esses
controles mais estritos foram relaxados. Nada disso, porém, é garantia
de sucesso, já que calibrar os efeitos de uma vacina sobre o sistema
imunológico (de defesa do organismo), para que o fármaco seja capaz de
proteger o corpo de forma robusta contra um invasor sem grandes efeitos
colaterais, é um processo que sempre envolve muita tentativa e erro.
Também vai ser necessário otimizar os
processos industriais indispensáveis à produção e à distribuição de uma
vacina em larga escala. Tais processos variam muito de acordo com o tipo
de vacina e vão afetar a maneira como as doses chegarão às pessoas que
necessitam delas.
EM FASE PRÉ-CLÍNICA
Vacina brasileira com VLPs
A proposta de cientistas do Incor (Instituto
do Coração, ligado à USP) é montar “cascas” de vírus, as chamadas VLPs
(partículas semelhantes a vírus, na sigla inglesa), às quais seriam
combinadas antígenos, moléculas do coronavírus que possam ser
reconhecidas pelo sistema imune.
Acredita-se que a combinação entre a molécula
viral e as VLPs poderia induzir uma resposta imune robusta, mais
próxima de uma infecção real.
Os testes em seres humanos ainda devem demorar vários meses para acontecer.
Vacina mineira a partir do vírus da gripe
Pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz) de Minas Gerais estão modificando o vírus influenza, causador da
gripe, para que ele carregue trechos do material genético do Sars-CoV-2
associados à proteína S, da superfície do coronavírus.
A ideia é produzir um vírus defectivo, ou
seja, que invade as células inicialmente, mas não consegue se propagar
para outras células depois.
O desenvolvimento pré-clínico, com modelos animais, deve levar de 12 a 18 meses, seguido dos testes clínicos, se tudo der certo.
O possível papel da vacina BCG na proteção
Um estudo preliminar, divulgado só no depositório de estudos medRxiv,
apontou uma possível correlação entre o uso disseminado da vacina BCG,
contra a tuberculose, e alguma proteção diante do Sars-CoV-2. Segundo os
autores da pesquisa, liderados por Aaron Miller, do Instituto de
Tecnologia de Nova York, países onde a vacinação com a BCG não é
obrigatória, como os EUA, a Itália, a França e a Espanha, estão sendo
afetados pela pandemia de forma mais severa se comparados aos locais
onde a vacinação é universal (Japão, China e Brasil). Há evidências de
que a BCG poderia “treinar” o sistema imune para resistir a outras
infecções respiratórias.
Vacinas que estão sendo testadas em humanos – as exceções são as brasileiras e a da BCG
Vacina de RNA americana
A primeira vacina contra a Covid-19 a ser
testada em humanos foi desenvolvida numa parceria entre o governo
americano, o Instituto de Pesquisa em Saúde Kaiser Permanente, em
Seattle (EUA) e a empresa de biotecnologia Moderna. A imunização se
baseia em trechos de RNA (molécula “prima” do DNA) que compõem o
material genético do vírus.
O RNA viral da vacina contém a receita para a
produção da chamada proteína S (de “spike” ou espícula, o gancho
molecular usado pelo Sars-CoV-2 para se conectar às células humanas).
Espera-se que, uma vez dentro das células, esse pedaço de RNA seja usado
para iniciar a produção da proteína S, a qual, por sua vez,
desencadeará uma reação de defesa do organismo. Quando o organismo
entrar em contato com o vírus real, a esperança é que ele já esteja com
anticorpos prontos para combatê-lo.
Tudo indica que a técnica é relativamente
segura, mas resta demonstrar sua eficácia – até hoje, nenhuma vacina de
RNA foi liberada para uso comercial. Os testes começaram em 16 de março,
na chamada fase 1 (que mede apenas a segurança). A fase 2, que
investiga a eficácia mais diretamente, pode começar em poucos meses, se
tudo der certo.
A empresa farmacêutica Pfizer anunciou que
também quer testar sua própria vacina de RNA contra o coronavírus em
seres humanos a partir de agosto de 2020.
Vacina chinesa com adenovírus modificado
Criada pela empresa farmacêutica chinesa
CanSino, a vacina experimental começou a ser testada um pouco depois da
americana, mas foi a primeira a alcançar a fase 2 dos testes clínicos,
começando a recrutar 500 voluntários no dia 15 de abril de 2020.
Usando uma abordagem similar à que havia
empregado no desenvolvimento de uma vacina contra o ebola, a CanSino
está apostando num patógeno modificado, do grupo dos adenovírus, como
vetor.
O adenovírus geneticamente modificado
carregará o material genético que contém o código para a produção da
proteína S, mais ou menos como no caso da vacina americana de RNA. A
diferença é que os vírus conseguem “entregar” ativamente a informação
genética da imunização, o que, em tese, pode ser mais eficiente do que o
material genético “solto”. Por outro lado, pode haver mais riscos de
efeitos colaterais. Há a expectativa de que resultados mais firmes sobre
a abordagem apareçam dentro de um ano.
Uma abordagem muito parecida está sendo adotada por pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido).
No caso deles, os testes começaram em março de 2020 e devem durar cerca de um ano.
Imunização americana com DNA
A abordagem da empresa de biotecnologia
americana Inovio Pharmaceuticals começou a ser testada na fase 1 em 6 de
abril de 2020. O método tem muitas semelhanças com a vacina de RNA, com
a diferença de que o genoma do vírus, na parte correspondente ao código
da proteína S, foi adaptado para uma molécula de DNA.
Para injetar a vacina na pele ou nos músculos
dos voluntários, os pesquisadores da empresa usam uma tecnologia que
emite um breve pulso elétrico, facilitando a entrada do material
genético nas células por meio da abertura de pequenos poros. Até 40
voluntários, recrutados em duas cidades americanas, vão receber o
fármaco durante a fase 1.
O objetivo é ter uma vacina para o uso comercial num prazo de 12 meses a 18 meses.
Vacinas chinesas baseadas em células
Duas abordagens estão sendo desenvolvidas
pelo Instituto Médico Genoimune de Shenzhen, na China, partindo do
princípio que seria possível usar células geneticamente modificadas como
vacinas.
Essas células dendríticas, como são conhecidas, ajudam o sistema imunológico a reconhecer invasores.
A ideia é incluir no material genético delas
uma espécie de biblioteca de vários fragmentos de genes do Sars-CoV-2,
bem como outros genes com a receita de moléculas que ativam o sistema
imune.
Ao produzir essa biblioteca de substâncias
estranhas quando entrarem em contato com o organismo, elas
desencadeariam uma reação similar a uma infecção real, sem os riscos do
contato com o vírus.
A fase 1 do projeto já está em andamento, e o grupo de Shenzhen planeja concluir o desenvolvimento da vacina até julho de 2023.
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